A recepção festiva de Vandeílton Souza ou Vando Benção, como é mais conhecido, 39 anos, explica, em parte, porque a Assembleia de Deus, em Abreu e Lima, município da Região Metrolitana a 20 quilômetros do Recife, congrega tantos fiéis. Após uma rápida oração, Vando, o presbítero que costuma pregar nas praças e comunidades, nos apresenta um templo majestoso, com dezenas de mulheres sentadas ou ajoelhadas diante dos bancos. São 11h. Uma quinta-feira. Mas todas rezam ou choram, algumas em voz alta. Mas ninguém parece se incomodar. Elas não se preocupam nem mesmo quando uma senhora entra gritando aleluia entre outras palavras inaudíveis. É sinal de alegria, consideram. A imponência de um lugar que abriga 2,5 mil pessoas sentadas e outras tantas em pé tem razão de ser: em Abreu e Lima, 31,09% da população segue alguma das denominações evangélicas existentes. Na "Capital dos evangélicos" em Pernambuco, os nomes bíblicos tomam conta dos pontos comerciais, assim como as roupas compostas e sociais vestem seus moradores.
Eudes Pereira, 42, é de uma família tradicional de evangélicos do município. A história do clã se confunde com a da própria expansão da religião em Abreu e Lima. Na década de 40, o avô materno dele já era evangélico. Teve cinco filhos, um deles a mãe de Eudes, que teve mais nove filhos e 13 netos. Hoje, apenas um desses filhos e um neto não seguem a religião, mas até as cunhadas e cunhados são evangélicos. "Naquela época meu avô trabalhava na Fábrica de Tecidos Paulista, da família Lundgren. Como eram poderosos e católicos, não permitiam os cultos no município. Daí as pessoas começaram a ir para Abreu e Lima, que é vizinho a Paulista", explica.
A tese é confirmada pelo bispo e cientista político Robinson Cavalcanti. Segundo ele, os Lundgren eram protestantes na Europa e ao chegarem ao Brasil tomaram conhecimento de que a Igreja Católica Romana era a religião das elites. "Por isso se converteram ao catolicismo e construíram um templo de arquitetura luterana, em Paulista, onde reinavam com sua indústria de fiação e tecelagem e praticamente proibiam templos protestantes em seu território", destaca.
Outra explicação de Cavalcanti para o crescimento da fé evangélica em Abreu e Lima é o fato do deputado Torres Galvão, que também era líder do Sindicato de Fiação e Tecelagem e membro da Assembléia de Deus, ter sido governador interino de Pernambuco entre a morte de Agamenom Magalhães e a eleição de Etelvino Lins.
Respeito mútuo - Os seguidores das várias doutrinas evangélicas encontradas em Abreu e Lima convivem pacificamente, apesar de algumas serem consideradas mais flexíveis e menos conservadoras que outras. A prova disso é que bairros pobres e conhecidos pela violência, como o do Fosfato, abrigam diversos templos de denominações diferentes. Em comum, todos têm uma forte crença em Deus e na resolução dos próprios problemas. "A pregação dos evangélicos vai diretamente ao indivíduo, pois diz: 'você pecador, está salvo'. Esse contato pessoal a Igreja Católica perdeu no Brasil e no mundo e isso explica a expansão dos evangélicos", explica Biu Vicente, professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco.
No comércio, nomes bíblicos
O nome Monte Sinai é visto estampado em letras garrafais no espelho e na frente da ótica. É um indicativo de que por ali está mais uma família evangélica de Abreu e Lima. Há 28 anos, Elias Chagas, 51, comanda o comércio junto com a mulher e dois filhos. Como já nasceu dentro dos ensinamentos da Assembléia de Deus, não teve dúvidas na hora de colocar o nome no próprio negócio. O monte é o local onde, segundo a Bíblia, há 3.300 anos um povo recém-saído da escravidão ficou de pé para ouvir a voz de Deus proclamando os Dez Mandamentos. Mara nata e Gênesis são os nomes de outras placas que dão o nome às lojas do comércio de Abreu e Lima, principal base da economia do município e que recebe, inclusive, os moradores do entorno, como Goiana, Itamaracá, Igarassu e Itapissuma.
Para Elias Chagas, o grande número de evangélicos em Abreu e Lima deixa a cidade mais tranquila. "Se não fosse a religião, o lugar estaria muito mais violento", comentou, lembrando que um dia o município já foi conhecido como rota de exploração sexual de crianças e adolescentes. "Há 24 anos, aqui tinha mais de 170 cabarés que depois de uma ação da prefeitura e das igrejas evangélicas foram sendo fechados", lembrou. A filha dele, Ellydyana Chagas, 20, integra a igreja desde criança e representa a nova geração de evangélicos. De cabelos pintados, faz faculdade de moda e já prepara as roupas do grupo de louvor do templo que frequenta.
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