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Presidente Karzai diz que milícia islâmica conseguiu acesso a Rabbani ao sugerir em CD que paz estava a seu alcance
Em sua primeira aparição pública desde que voltou
correndo ao Afeganistão na quarta-feira após o assassinato do principal
negociador de paz do país, um solene presidente Hamid Karzai disse na
quinta-feira que a milícia islâmica do Taleban havia conseguido acesso
ao seu alvo ao cortejar líderes com um CD de áudio que sugeria que a paz
estava ao seu alcance
Afegãos carregam caixão de Burhanuddin
Rabbani, ex-presidente afegão e chefe do conselho de paz do governo,
durante seu enterro em Cabul
A declaração de Karzai e o relato de um ex-membro do Taleban que ajudou a levar o homem-bomba até Burhanuddin Rabbani,
o negociador de paz e ex-presidente afegão que comandava o Alto
Conselho de Paz (ACP) do país, revelaram uma trama sombria e complexa
que se desenrolou ao longo de quatro meses para permitir que o assassino
chegasse até seu alvo. Rabbani foi enterrado nesta sexta-feira em
Cabul, após um ato público ao qual compareceram milhares de pessoas.
A gravação foi parte do que parece ser um artifício meticulosamente
orquestrado pelo Taleban para colocar um assassino em um quarto com
Rabbani. Sua morte foi um golpe para o processo de paz e desencadeou
mais uma crise no governo Karzai.
O presidente afegão disse que o suicida havia dado a autoridades
afegãs um CD no qual um militante elogiava Rabbani como um professor
"querido" e "respeitado". "Confundimos isso com uma mensagem de paz",
disse Karzai. "Mas fomos enganados."
Karzai falou no ensolarado e majestoso jardim do palácio presidencial
afegão, enquanto o serviço nacional de inteligência levava Rahmatullah
Wahidyar, o membro de alto escalão do ACP que apresentou o homem-bomba a
Rabbani, para uma coletiva no centro de Cabul.
O relato de Wahidyar foi em grande parte articulado com o de Karzai,
indicando que ele também tinha sido enganado, e levantou muitas dúvidas
sobre por que os membros do ACP estavam tão dispostos a confiar em
membros do Taleban que desconheciam.
Wahidyar, um ex-insurgente taleban de meia idade, dono de uma longa
barba negra, também ficou ferido no ataque. Vestindo tradicionais calças
largas e uma túnica, entrou na sala com a ajuda de agentes de
inteligência, debruçado como quem sente dor. A explosão desabilitou seu
braço, disse, e o deixou surdo de um ouvido. Ele ocasionalmente
inclinava a cabeça para a frente quando repórteres faziam perguntas.
Seu relato deixou claro que os membros do ACP passaram os últimos
quatro ou cinco meses totalmente empenhados em fazer contato com membros
de alto escalão do Taleban em um esforço para encontrar uma maneira de
chegar a um acordo de paz.
Com esse objetivo, eles fizeram contato com Abdul Sattar, a quem
Wahidyar descreveu como "um homem honesto entre os taleban". Wahidyar,
Rabbani e Massoom Mohammad Stanekzai, que lideram o secretariado do
conselho, convidaram Sattar a Cabul e depois pediram que ele entrasse em
contato com o Quetta Shura, conselho de liderança do Taleban no
Paquistão. Sattar depois retornou com Hamidullah Akhund, um homem de
confiança do Taleban, disse Wahidyar.
Akhund, a quem Wahidyar também chamou de Akhundzada, veio a Cabul duas
vezes e se reuniu com Rabbani e Stanekzai. Akhund levou uma mensagem de
áudio de Rabbani para o Quetta Shura e estabeleceu uma relação estreita
com Wahidyar, de acordo com seu relato.
Referindo-se a Akhund, Wahidyar disse: "Durante quatro meses, tivemos
contatos contínuos com essas pessoas por meio de Hamidullah. Meu
telefone foi fornecido a ele por meio do secretariado do conselho de
paz, e eu também tenho seu número, e nós estávamos em contato e ele nos
relatava o que fazia e com quem falava.”
Então, há uma semana, Akhund ligou e disse que o Quetta Shura estava
pronto para as negociações com o governo afegão. Na época, Rabbani
estava viajando pelo Irã e os Estados Árabes do Golfo em parte para
providenciar a criação de um gabinete para o Taleban no Catar, como
forma de promover as negociações de paz, disse Wahidyar. Akhund disse
que não seria capaz de levar a mensagem pessoalmente a Rabbani, mas que
uma pessoa de confiança poderia fazê-lo e ela traria mensagens e
documentos.
"Quando contei isso ao Sr. Stanekzai, ele ficou muito feliz", disse
Wahidyar, e instruiu sua equipe a receber o hóspede quando ele chegasse e
a tratá-lo de maneira "honrosa e respeitosa e trazê-lo para Cabul".
Poucos dias depois, Wahidyar recebeu um telefonema de um homem em
Kandahar que disse ter sido enviado por Akhund. Wahidyar foi até lá,
usando veículos emprestados por Stanekzai, que estava em seu caminho de
volta de uma rápida viagem ao Paquistão.
O homem enviado pelo Quetta Shura foi alojado em uma pousada mantida
pelo conselho de paz em Cabul e os funcionários da pousada foram
advertidos para não deixá-lo sair dali. O convidado, cujo nome era
Mullah Esmatullah, trouxe com ele duas gravações de áudio: a primeira
era para Stanekzai e a segunda para Rabbani. A primeira gravação incluía
um aviso de que apenas Rabbani deveria ouvir a mensagem dirigida a ele.
Karzai, que também ouviu o clipe de áudio enviado para Stanekzai,
disse que se tratava de uma mensagem "incrível". Ele ouviu a mensagem
pouco antes de partir em sua viagem à Assembleia Geral da ONU – a viagem
foi interrompida depois do assassinato de Rabbani.
"Havia muitas mensagens boas naquele CD", disse Karzai, acrescentando
que um vice de Rabbani também ouviu as gravações com entusiasmo.
Wahidyar disse que havia algumas "coisas motivadoras" na mensagem. O
Taleban repetiu que voltará para o Afeganistão depois que as tropas
estrangeiras partirem. Eles também expressaram preocupação de que "há
muito adultério no Afeganistão e pediu que o governo faça algo sobre
isso, e algumas outras coisas das quais não me lembro", disse.
Na segunda-feira, um dia antes do assassinato, Wahidyar foi verificar
como estava o mensageiro Taleban, Esmatullah. Ele não estava na
pousada. Wahidyar disse que ligou para ele e que Esmatullah disse ter
“ficado entediado e saído para fazer orações em uma mesquita próxima".
No dia seguinte, perto de anoitecer, Wahidyar pegou Esmatullah em seu
carro e o levou para a casa de Rabbani. Eles entraram na casa e o
secretário de Rabbani recebeu Wahidyar calorosamente e pediu permissão
para que guardas revistassem os dois.
"Disse ‘claro’", afirmou Wahidyar, mas parece que os guardas não
procuraram bem, porque momentos depois a bomba explodiu, logo após os
dois cumprimentarem Rabbani, que estava de pé ao lado de Stanekzai em
uma pequena sala.
Esmatullah se aproximou de Rabbani e "o abraçou, e nesse momento eu
ouvi uma explosão", disse Wahidyar. "Depois disso fiquei inconsciente.
Não sei o que aconteceu.” Quando voltou a si, ele viu “o cara deitado
aos meus pés, e vi seu corpo sem sua cabeça".
Esmatullah havia escondido os explosivos em seu turbante. No final
dessa declaração, Wahidyar se comprometeu a continuar a tentar trazer a
paz, e Karzai terminou sua coletiva dizendo que "a paz é algo que todos
no Afeganistão querem”. O embaixador dos EUA Ryan C. Crocker fez uma
declaração de apoio ao conselho de paz na quinta-feira, mas reconheceu o
dano causado pelo assassinato de Rabbani.
Ele disse que o ataque "levanta dúvidas muito sérias sobre o Taleban e
aqueles que apoiam o grupo estarem realmente interessados na
reconciliação".
País abalado
A execução de Rabbani ameaça desfazer as já frágeis alianças entre os
grupos étnicos do Afeganistão, deixando um sentimento de desolação
sobre o futuro do país. Ninguém perdeu mais politicamente com a morte de
Rabbani do que Karzai, segundo diversos analistas.
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Homens seguram cartaz com a foto do ex-presidente afegão Burhanuddin Rabbani, durante uma marcha em Cabul (21/9)
Karzai é um pashtun de Kandahar, região sul do país, enquanto
Rabbani era um ex-presidente e ex-líder da Aliança do Norte, a força
anti-Taleban composta principalmente por tajiques.
Apesar dos esforços de Rabbani em favor da paz terem se mostrado
apenas uma promessa limitada, o seu apoio a Karzai dava força ao
presidente, que estava sob pressão constante de ex-membros da Aliança do
Norte para não sucumbir ao Taleban, grupo formado na maioria por
pashtuns do sul.
Ao ficar ombro a ombro com Karzai, Rabbani conseguiu rejeitar a
crítica dos nortistas e emprestou uma pátina de credibilidade aos
esforços muitas vezes ingênuos de Karzai em tentar negociar com o
Taleban.
Karzai tem falado frequentemente do Taleban como “irmãos” alienados,
deixando de lado as mortes de civis e a sequência de assassinatos
perpretados pelo grupo. "O presidente Rabbani trouxe uma dimensão
notável de estabilidade e é por isso que ele foi muito importante e seu
assassinato deixou um vácuo no norte do país", disse Haroun Mir,
analista político em Cabul.
Os detentores de poder do norte atuam dentro e fora do governo, e
entre eles está o governador da província de Balkh, Atta Mohammed Noor, o
ministro do interior, Bismullah Khan, bem como ex-candidato
presidencial Abdullah Abdullah.
O próprio processo de paz perde com a morte de Rabbani. Embora
ninguém tenha declarado o fim das negociações, sem Rabbani o processo já
não poderá seguir em frente como era. Primeiro um novo presidente deve
ser encontrado para o conselho de paz, e precisa ser alguém que tenha a
mesma estatura nacional que Rabbani e possa comandar o mesmo respeito de
uma variedade de grupos.
©Copyright Blog do Tony Medeiros com New York Times
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